#4 – Eu Tomei Um Puxão de Orelha e Preciso Me Explicar Melhor Sobre Edgar Allan Poe.
Esta é a primeira parte da bronca.
Acabei de chegar ao Substack, como parte de um planejamento para consolidar minha carreira como escritor. Conheci a plataforma na mentoria que estou fazendo com as meninas do Carreira Literária e adorei logo de cara, por focar em textos, apesar de ter dinâmicas e mecanismos parecidos com as redes sociais mais conhecidas.
Surgiram rapidamente dúvidas sobre o que abordar, frequência, diálogo com outras redes (por ora, tenho apenas Instagram e um site), etc. Bem, em uma das aulas da mentoria foi abordado o conceito de mapa de interesses, ou seja, a organização dos temas e subtemas que cada escritor deseja explorar, visando tornar-se uma autoridade em um assunto ou promover um livro específico.
Mais à frente, tratarei do meu mapa, mas um dos pontos que mais gosto é poder falar sobre literatura em geral. Não sou crítico e nem tenho interesse em sê-lo; porém, adoro a possibilidade de discutir obras, autoras e autores que me influenciam ou que são marcantes por diversas razões.
Meu segundo texto na plataforma foi #2 - Eu Gostei de Apenas 10% da Obra de Edgar Allan Poe. Nele, falo um pouco (ou pouco) sobre meu sentimento em relação aos três volumes que li do Mestre do Terror, leitura essa motivada pelo Curso de Escrita Criativa, também do Carreira Literária. É fato que, como aspirante a contista, Poe já estava na minha lista de leituras “obrigatórias” e era questão de tempo consumir um dos precursores do gênero, e o curso ajudou a adiantar o nosso encontro.
Olha aí o Poe! Não confunda com o Pou!
Não gostei de quase nenhum dos contos. Aí que reside o problema: eu não explico nada disso no meu texto. A Flávia (Carreira Literária) me deu um puxão de orelha. A ideia de entrar no Substack, adotada por muitos dos alunos, é justamente a de expor de maneira aprofundada os assuntos que permeiam as carreiras dos envolvidos. Não foi isso que fiz. Escrevi um texto preguiçoso, tão preguiçoso que, no dia seguinte, me matriculei na academia. Xô, preguiça!
A verdade é que estava sobrecarregada de demandas de trabalho, e a ansiedade tomou conta. Resolvi publicar sem reflexão e acabei levando uma merecida orelhada. Pensei em editar o texto, mas, ao refletir, concluí que errar faz parte do processo e decidi deixá-lo como está, o que não me impede de complementá-lo aqui. Vamos lá, terráqueos.
O que eu não disse em “#2 - Eu Gostei de Apenas 10% da Obra de Edgar Allan Poe”.
Eu não expliquei o motivo de não ter gostado de 90% dos contos do Poe. E a verdade é que eu não sei. Achei a maior parte dos contos cansativa, arrastada e, por vezes, precisei interromper a leitura no meio, retornando posteriormente. Um exemplo é O Embuste do Balão, cujo título condiz com o conteúdo. O balão chato do inferno. Ele é de seda, enorme, pesa 1.150 quilos e tem o diário com o registro do voo que sobe, sobe, sobe e... que me fez torcer para que estourasse, despencasse e se espatifasse no mar. Outro que achei chato foi Revelação Mesmeriana, que apresenta dois personagens realizando um experimento de indução ao sono mesmérico, algo semelhante à hipnose, com diálogos profundos, mas que me deram sono.
Porém, atenção: eu disse acima que achei os contos cansativos, o que é diferente de afirmar que não são inventivos. O Poe é conhecido justamente por ter escrito textos de suspense sobrenatural em uma época em que não se tinha esse tipo de obra ainda não era comum nos EUA e na Europa, e por isso o autor é considerado o pai ou mestre do terror. Portanto, a maior parte dos contos não ter funcionado para mim não implica que sejam ruins; implica apenas que não funcionaram para mim.
Fiquei culpado por não ter gostado de quase nada, o que é uma bobagem, pois há coisas que não se conectam com a gente e não é preciso fazer média sobre isso. Logo que terminei os três volumes, fui ler um pouco sobre o escritor, e aí que a coisa ficou interessante.
O que eu queria dizer em “#2 - Eu Gostei de Apenas 10% da Obra de Edgar Allan Poe”.
Quando eu tomei conhecimento de fatos da vida de Poe, sua obra passou a parecer mais interessante, pois há algo de sombrio em sua trajetória. O box que comprei da Editora Pé da Letra possui três volumes: O Corvo e Outros Contos, O Gato Preto e Outros Contos e O Escaravelho de Ouro e Outros Contos.
Neste último, há três textos que abordam a trajetória do escritor, nascido em 1809 na cidade Boston, EUA, tornando-se órfão antes dos três anos de idade. Teve a sorte de ser adotado por um mercador rico, mas acabou se separando de seu irmão e de sua irmã, adotados por outras pessoas. Aos 5 anos, recitava poesia; dos 8 aos 13 anos, estudou em colégios de Londres; aos 17, estava na Universidade da Virgínia, que acabou por abandonar; aos 18 anos, publicou seu primeiro trabalho, Tamerlane e Outros Poemas; e aos 20 anos, entrou para a Academia Militar dos Estados Unidos, abandonando-a dois anos depois para se dedicar à carreira literária. Como Poe morreu aos 40 anos extremamente debilitado, sua carreira como escritor durou cerca de 17 anos, sendo mais penosa do que gloriosa.
Minha intenção aqui não é traçar uma biografia do autor, pois há material vasto e muitas coisas interessantes. O que me chamou a atenção foi todo o contexto de vida dele. Ele escreveu para revistas e jornais, recebendo um dinheiro modesto (alô, escritores!), participou de concursos e premiações que deram certa visibilidade, mas que nunca lhe permitiram desfrutar genuinamente da literatura.
Contudo, apesar dos percalços, Poe se dedicou à literatura como contista, como poeta e como pensador. E chamo de percalços a depressão, alcoolismo, o aperto financeiro e a morte precoce da sua esposa Virginia Clemm (ele escreveu um belo poema em sua homenagem), por conta da tuberculose. Junte-se a isso o fato de existirem especulações diversas sobre a causa da morte do autor – assassinato, suicídio, doenças diversas – e temos, definitivamente, uma figura exuberante. Tudo o que há de sombrio na literatura de Poe parece refletir sua própria vida.
A graça de tudo isso está aí: os 10% dos contos que gostei considero geniais e estão entre os melhores textos que li. Não preciso falar sobre a porrada que é o conto O Gato Preto, com seu desfecho impactante, ou sobre a tensão que nos causa A Queda da Casa Usher, sendo estes dois dos grandes contos do escritor. Agora, o texto que eu mais gostei foi Os Assassinatos na Rua Morgue, que apresenta uma investigação sobre crimes brutais sem testemunhas ocorridos em uma casa, o que gera um grande desafio para a polícia. C. Auguste Dupin, protagonista, é uma pessoa com hábitos considerados excêntricos e que não é detetive, mas age como um, criando tensão com os agentes do estado. É muito interessante como Poe vai “plantando” as evidências e as falsas pistas, e como ficamos em dúvida sobre o estranho, sendo que esse é um dos poucos contos que não abordam o sobrenatural.
Os Assassinatos na Rua Morgue e Venha Ver o Pôr do Sol, de Lygia Fagundes Telles, me influenciaram a escrever meu único texto de terror, Confissão, que será lançado na minha coletânea de contos, ainda sem título. Era isso que eu queria dizer: o pouco de Poe, para mim, é muito.
O que eu não pensei em dizer “#2 - Eu Gostei de Apenas 10% da Obra de Edgar Allan Poe”, mas talvez seja legal.
Eu cito no meu não texto o ensaio A Filosofia da Composição, na qual Poe apresenta princípios da composição literária que, para ele, eram fundamentais. O escritor analisou o próprio poema, O Corvo, que eu não gostei na primeira leitura, para fundamentar os pontos centrais da teoria: criar histórias breves, como os contos; escrever sabendo o final; decidir qual efeito se quer alcançar com a história; determinar um tom; escolher um tema; estabelecer o contexto e elaborar o clímax do texto.
Lembro-me de ter lido O Corvo antes de A Filosofia da Composição, e resolvi lê-los novamente e, desta vez, o poema bateu melhor em mim, pois foi interessante refletir sobre os pontos da teoria. Foi ainda mais interessante descobrir que Machado de Assis e Fernando Pessoa traduziram o texto para o português, o que me levou a fazer algo que não havia feito: lê-lo em inglês.
Por mais que a tradução seja boa, é recomendável, sempre que possível, ler o original. Foi uma boa experiência, principalmente porque minha busca na internet me revelou a existência do filme O Corvo (2012), com John Cusack, cuja a sinopse é seguinte: “Quando um louco começa a cometer assassinatos horríveis inspirados nas obras de Edgar Allan Poe, um jovem detetive de Baltimore une forças com Poe para impedi-lo de transformar suas histórias em realidade”. Sinistro.
Resumo: para mim, é importante conhecer o autor ou autora para poder me relacionar melhor com sua obra. Acredito que essa seja a conclusão. E que talvez Poe tenha sido melhor poeta do que contista.
E se serve de consolo, eu particularmente prefiro textos curtos. Não tão curtos quanto os das outras redes, mas já abandonei neswletter aqui pelo tamanho. É que se tenho um tempo mais longo pra leitura, prefiro ir ler um livro.
Também acho os contos arrastados, acho que é uma questão de época mesmo. Mesmo Assassinatos da Rua Morgue, que eu gostei, tem uma introdução abstrata longuíssima que fez com que meus alunos não conseguissem avançar no texto.